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quinta-feira, 13 de maio de 2010

ADEUS A CLAUDIO PEREIRA

A saideira fica para depois

Fortaleza se despediu ontem de um de seus aguerridos entusiastas. O popular Cláudio Pereira morreu aos 65 anos, deixando uma cidade de saudades
Alinne Rodrigues
alinnerodrigues@opovo.com.br
13 Mai 2010 - 00h49min
O jornalista Cláudio Pereira  comandou a Fundação Cultural de 
Fortaleza  ao longo de 15 anos, tendo sido responsável pela sua criação 
(Banco de dados)
Era dia 12 de setembro. O ano, 1982. No Teatro do Ibeu, Gilmar de Carvalho se preparava para a estreia do seu O Dia em que vaiaram o Sol na Praça do Ferreira. ``Estas são as pessoas que escrevem ou escreveram a verdadeira história do Ceará, no que ela tem de mais autêntica``, dizia um personagem no palco, enquanto apresentava Zé Tatá, Siri e Cláudio Pereira, ``o aleijado que não se manca``.

No espetáculo, como na vida do jornalista, o que dava o tom era a fuleiragem. Ainda solteiro, em uma viagem de carro, sofreu um acidente entre Recife e João Pessoa. Foi desacreditado pelos médicos, mas, obstinado, conseguiu reabilitar parte dos movimentos e se locomover com a ajuda de uma cadeira de rodas. Nunca perdeu o bom humor. ``Quando eu nasci, caiu o neofascismo na Itália, e, logo em seguida, caiu a Ditadura Vargas. Então, acho que nasci muito no astral da liberdade``, disse, oito anos depois daquela estreia, em entrevista ao O POVO. Liberdade essa que Cláudio honrou até a madrugada de ontem, quando, depois de uma vida de boemia, aos 65 anos, se foi sem pedir a saideira.

Filho de uma família imensa, a dos Abreus & seu sobrenome por parte de mãe &, ele não seguiu a tradição: teve 23 tios, 11 irmãos, mas nenhum filho. O amor, no entanto, não lhe faltou. Casou-se, em 1979, com a professora Martine Kunz. "Eu tenho uma tese de que o amor é um coquetel que envolve o querer bem, depois o gostar, se sentir bem com a pessoa, respeitar, o companheirismo, e tem que ter tesão, porque, senão, não tem graça``. Foi assim com Martine até os últimos dias.

Nome-chave para a cultura cearense, Cláudio Pereira começou sua militância bem jovem, na década de 1960. Reunia os amigos do Liceu & um deles, Fausto Nilo & e colocava todo mundo para tocar. Organizava festivais por aqui com Fagner e outros tantos nomes ali ainda desconhecidos e depois dava de excursionar com todos os eles. Das viagens, veio o Pessoal do Ceará. A união não era somente artística. Com Fausto, ele fundou jornais e participou do movimento estudantil. "Fui preso várias vezes, fui muito torturado``, revelou na mesma entrevista.

Em 1985, quando começavam as primeiras conversas sobre a criação de uma secretaria de cultura, ele não acreditava. Era uma utopia. Naquele mesmo ano, acontecia a primeira eleição direta para prefeito pós-ditadura. Cláudio, de tão engajado, mantinha, na própria casa, um subcomitê. No entanto, seu candidato, Paes de Andrade, perdeu a disputa. Vencedora nas urnas, Maria Luíza Fontenele, primeira mulher eleita pelo Partido dos Trabalhadores para comandar uma capital de Estado, acabou convidando o jornalista para integrar sua equipe.

"Inicialmente, não era bem visto pelos outros secretários, pois havia feito declarada campanha contra o PT. Mesmo assim, assumi e me orgulho, até hoje, de ter participado da heróica experiência de integrar a equipe da Maria Luiza Fontenele``, escreveu em artigo de 2006. Na Administração Popular, como foi chamada a gestão, ele implantou a Fundação Cultural de Fortaleza (Funcet), órgão do qual foi presidente ainda por outros três mandatos: de Ciro Gomes, Juracy Magalhães e Antônio Cambraia.

Sempre muito envolvido na vida cultural de Fortaleza, Cláudio Pereira dificilmente parava em casa. Lançamentos de livro e eventos do gênero, ele não perdia um. No ano passado, o corpo começou a dar sinais de falha. Depois de quase 40 anos na cadeira de rodas, os escaras (uma espécie de ferida provocada pela falta de mobilidade) se agravaram. Entrava e saía de internação. Na UTI do hospital Monte Klinikum, teve falência múltipla dos órgãos e uma morte esperada, mas não desejada. O velório ocorreu na manhã de ontem, na funerária Ternura, com sepultamento no cair da tarde, às 17 horas, no Parque da Paz.

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