Não é fácil traduzir literalmente e com exatidão a expressão latina
“Lectio Divina”. Habitualmente é chamada de Lição Divina ou leitura
orante da Palavra de Deus. Trata-se de uma leitura atenta e sem pressa.
Cada dia é meditado e contemplado um texto escolhido e preparado de
antemão. Tal leitura não tem apenas a finalidade de satisfazer a
curiosidade intelectual do leitor. Ela tem como objetivo alimentar a
vida de fé do cristão, fortalecer a união com Deus e animar o
apostolado. O vaticano II, na Constituição Dogmática “Dei Verbum”, sobre
a Revelação Divina diz que: - “A Lectio Divina é a escuta religiosa e
piedosa da leitura sagrada da Escritura” (DV 10). Pressupõe sempre uma
atitude de fé orante e abertura de coração.
O encontro:
- A leitura orante da Sagrada Escritura sempre tem sido o lugar
preferido para o encontro com Deus. É a chamada “Lectio Divina”. Mas,
“Lectio” não significa ler a Bíblia somente para adquirir conhecimentos
ou obter informações. Trata-se de um encontro profundo e íntimo com Deus
que se dirige a nós através da Palavra. É na Palavra que sentimos a
unidade e a essência de Deus. No encontro com Deus encontro a mim mesmo
de uma maneira nova. Santo Agostinho diz: - “A Palavra de Deus se opõe à
tua vontade enquanto não te tornar artífice de tua salvação. Na medida
em que tu mesmo fores o teu inimigo, também a Palavra de Deus o será.
Torna-te amigo de ti mesmo e também a Palavra de Deus estará em harmonia
contigo” (Sermão 110,3). Na medida em que compreendo a Palavra de Deus,
compreendo a mim mesmo de uma maneira nova. Compreender o texto bíblico
é compreender os meus limites.
O amor à Palavra:
- Para a pessoa de fé, a Bíblia é o “Livro de Deus”. Quem segue a
Cristo recorre sempre à Sagrada Escritura para encontrar a “Água viva da
salvação”. É na escuta atenta da Palavra de Deus que o amor
misericordioso e a compaixão vão sendo aprimorados. É sempre o Espírito
Santo que suscita o amor e adesão à Palavra. Além do mais, a leitura
atenta da Palavra sempre leva à oração e intimidade com o Senhor. É
impossível compreender a leitura orante sem chegar à oração, em todas as
suas formas e expressões, tais como: - súplicas, hinos, ação de graça,
invocações, louvores, pedidos de perdão... Assim, a Lectio Divina passa a
ser uma Palavra rezada e não apenas lida. É uma assimilação lenta do
texto bíblico, onde a pessoa orante escuta atentamente a voz do Pai e
volta o seu olhar e o seu coração para ele.
A escuta da Palavra:
- No Antigo Testamento, uma das características peculiar da religião
hebraica é, sem dúvida, a escuta atenta da Palavra. Por um lado, Deus
fala através dos textos Sagrados; por outro, o povo responde na escuta,
acolhendo tal Palavra, impregnando assim da sabedoria divina. Para que o
povo de Israel seja “propriedade exclusiva do Senhor, bem como um reino
de sacerdotes e uma nação santa”, precisa escutar sua Voz e observar
sua Aliança (Ex 19,5-6). A atitude mais digna do ser humano, perante seu
Criador e Pai, sintetiza-se na escuta de sua Palavra. Esta requer
ambiente de silêncio, recolhimento e abertura. Nosso Deus continua a
falar a cada pessoa que escuta atentamente sua Palavra.
Os quatro passos:
- A leitura divina é dividida em quatro passos: - leitura – meditação –
oração – contemplação. A leitura orante da Bíblia procura a união com
Deus, à meditação o encontra, a oração o invoca e a contemplação o
saboreia. Tal método acende o desejo ardente do coração para Deus.
Contemplar é rezar sem palavras. É tornar-se um com Deus. Há uma conexão
interna das quatro fases. O principal objetivo da leitura orante é
encontrar-se com Deus. Na Lectio Divina, a alma percorre um itinerário
espiritual em direção a um encontro sempre mais profundo com Deus.
Ler a Palavra: -
Há uma evolução lenta. Aos poucos se passa do ato de ler para escutar a
Palavra. Assim, por exemplo, Moisés cumpre sua missão mediadora entre
Deus e o povo, lendo a Palavra do Senhor, que estava escrita nas tábuas
da Aliança (Ex 24,7). A Lei escrita em pergaminhos, passa a ser chamada
de Escritura, que quer dizer exatamente isto: - Lei escrita para ser
lida e proclamada. No Novo Testamento Jesus fala com pessoas que
conhecem bem a Escritura: - “Nunca lestes o que fez Davi quando teve
necessidade, e ele e os que o acompanhavam sentiram fome”? (Mc 2,25).
Podemos ver nesta pergunta de Jesus já a origem da Lectio divina.
Meditar a Palavra:
- Já nos primeiros séculos do cristianismo, a Igreja, através dos
Monges, fez uma grande descoberta: é preciso meditar as Escrituras, ou
seja, “ruminar”. A leitura orante leva à meditação. É aí que o cristão
percebe a força transformadora da Palavra, assim ele vai formando a
consciência reta e clara dos apelos de Deus para poder agir perante a
maldade do mundo. Meditar é parar. É tirar tempo para perceber as
novidades de Deus. Meditar é mais do que ler. È colocar o ouvido e o
coração à escuta.
Rezar a Palavra:
- Aquilo que é lido no Antigo Testamento encontra sua realização na
vida e nos ensinamentos de Jesus. Os evangelhos constituem o coração de
toda a Bíblia. Toda leitura orante tende a conduzir à oração. Rezar é,
em primeiro lugar, um relacionamento amoroso e gratuito com Deus. A
autêntica oração é sempre união com Deus. É sempre intimidade com o
Criador. Os frutos da oração se manifestam ao longo da vida. A oração
nos traz de novo a sensibilidade humana, muitas vezes, esquecida em
nosso cotidiano. Quem reza também se compromete. Quem reza entende a dor
e o sofrimento do outro. É impossível rezar e ficar de braços cruzados,
sem perceber o sofrimento de tantos irmãos sofredores. A oração conduz a
um apostolado fecundo.
Contemplar a Palavra: -
É necessário contemplar a Palavra, isto é, o Verbo que se encarnou, o
Filho de Deus feito Homem. São João nos diz: - “Nós contemplamos a
Palavra da Vida” (1Jo 1,1). Quem contempla também vai se comprometer com
os valores do Reino, vai sempre mais percebendo qual é a autêntica
vontade de Deus sobre sua vida. A contemplação permite o discernimento
em profundidade. O próprio Jesus manda examinar as Escrituras como fonte
de vida: - “Examinai as Escrituras porque julgais ter nelas a vida
eterna; ora são elas que dão testemunho de mim” (Jo 5,39). O verbo
“examinar” tem aqui o sentido de contemplar. A contemplação não tem nada
de alucinação, desequilíbrio emocional ou até mesmo fanatismo. Não se
pode forçar uma contemplação. Ela brota espontânea de uma atitude
orante. Não basta pensar em Deus, é preciso unir-se sempre mais a ele. É
através da contemplação que a pessoa encontra o equilíbrio interior e
um estado de harmonia e paz. Neste espaço de Deus as feridas do coração
vão sendo curadas. Na contemplação precisamos estar dispostos a nos
assumir do jeito que somos diante de Deus. O ponto mais alto da ascese
cristã é a contemplação.
Coração orante e contemplativo:
- Eis o segredo de toda força missionária. A Lectio Divina é a base
necessária de toda a vida cristã. A vida espiritual do cristão é a
Sagrada Escritura lida, meditada, rezada e contemplada. Isso é
compromisso de cada dia. A leitura orante não é exercício isolado do
cristão, pois ele está em comunhão com toda a Igreja. Conforme Orígenes,
o “cristão perfeito” é aquele que sabe ler as Escrituras. E no dizer de
São Jerônimo, “desconhecer a Escritura é desconhecer Cristo”. Também
Santo Ambrósio pede que a leitura da Palavra de Deus seja contínua e
diária: - “Tenham, diariamente nas mãos a Sagrada Escritura, a fim de
adquirir o conhecimento de cristo”.
Textos para oração:
- 2Timóteo 3,1-17: Toda a Escritura é inspirada por Deus.
- Atos 17,1-34: Os ensinamentos de Paulo a partir das Escrituras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário